Alimentação

Documentário escancara "lobby" das indústrias de ultraprocessados e piora na saúde da população

Big Food aborda os interesses das grandes corporações e tentativas de impedir avanço de políticas de alimentação e saúde

Ouça o áudio:

A alimentação está na mesa de negociação das grandes empresas de alimentos e bebidas - CEE Fiocruz
Somos muito menos livres do que achamos no padrão de consumo em uma sociedade capitalista

Na sua memória de infância você lembra da chegada das bolachas, biscoitos, miojos, salgadinhos e outros ultraprocessados na sua casa?

Eles não tinham preços tão acessíveis e não eram tão fáceis de encontrar quanto agora, mas aos poucos esses produtos foram ficando cada vez mais presentes no nosso dia a dia. 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) o consumo de ultraprocessados entre os brasileiros de 45 a 55 anos saltou de 9% para 16% entre 2019 e 2020. 

Mas o que naquela época em meados dos anos 90 não se sabia ainda eram sobre os malefícios dos ultraprocessados à saúde. No Brasil, 52% das pessoas de 18 anos ou mais receberam diagnóstico de pelo menos uma doença crônica em 2019. É o que mostra a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS).  

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Uma pesquisa elaborada pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo(USP) e pela Cátedra Josué de Castro reuniu  mais de 180 evidências científicas sobre o impacto de ultraprocessados na saúde. 

Para chamar a atenção da população para influência da indústria alimentícia nos hábitos alimentares da população brasileira, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), em parceria com o Coletivo Bodoque de Cinema produziram o documentário Big Food: O Poder das Indústrias de Ultraprocessados

A nutricionista e consultora do Idec, Ana Paula Bortoletto explica a relação entre o consumo de ultraprocessados e doenças crônicas como diabetes, hipertensão e obesidade.

“Os ultraprocessados têm uma quantidade excessiva de nutrientes que não fazem bem à saúde, além de compostos como aditivos alimentares, extratos e soros que tornam o produto mais palatável, porém com menor qualidade nutricional.

E essa composição a gente já sabe que também tem impacto para saúde como, por exemplo, aumento do ganho de peso, diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, câncer e até mortes prematuras.”, explica  a nutricionista. 

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Apenas dez empresas são responsáveis pelos produtos que estão nas prateleiras dos supermercados, No Brasil o setor de ultraprocessados lucra em média R$ 700 bilhões por ano.

Além de influenciar a escolha dos alimentos, esse pequeno grupo também adota medidas para impedir o avanço de políticas públicas, explica Bortoletto.

Essas corporações tentam impedir a regulação desses produtos, têm propagandas massivas e agressivas e distorcem pesquisas científicas. A nutricionista fala sobre o perfil dessas corporações transnacionais que têm indústria pelo mundo afora e faz o lobby por meio de associações comerciais.

“Uma característica em comum é que elas costumam ser parte das associações das indústrias que defendem esses interesses mais políticos. No caso do Brasil, a maior é a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Basta olhar a lista de associados que tem lá as grandes empresas transnacionais, como Coca-Cola, Unilever, Nestlé, Pepsico e Danone; outra que podemos citar é que é uma associação bem influente que é a Associação de Bebidas e Refrigerantes não Alcoólicos”.

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No documentário Paula Johns, diretora geral da ACT Promoção em Saúde fala o quanto essas estratégias dessas empresas esbarram nas nossas escolhas. 

“Aí dizem: Ah é a minha liberdade de escolha individual e eu faço o que eu quero. A sua liberdade de escolha individual, ela acontece dentro de um contexto. Somos muito menos livres do que achamos com relação ao nosso padrão de consumo numa sociedade capitalista”, afirma Johns.

No documentário especialistas como Ekaterine Karageogiardis mestre em saúde que aborda a perversidade da indústria induzindo o consumo de ultraprocessados em escolas.  

O filme traz exemplos de conflitos de interesses dessas indústrias com a saúde pública e alimentação saudável. Como é o caso da Pepsi, que tem um programa de educação na América Latina que ensina as crianças a dançar, praticar atividade física e depois consumir o refrigerante.

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No documentário a Nestlé também é citada por conta do seu programa de educação voltado para as crianças. 

“Se uma empresa de laticínios vende o seu iogurte, vende o seu produto ali, mas por meio de uma mensagem que está no material escolar, no material didático ou na fala de um professor as crianças absorvem e entendem como se fosse uma aula de matemática, português ou qualquer outro conteúdo que está na grade curricular dela.”

“Big Food – O Poder das Indústrias de Ultraprocessados”, que ganhou o prêmio de melhor documentário no Festival Independente de Roma, em 2021 – além de receber outras indicações para premiações internacionais. Para assistir ao documentário ou organização grupos para exibição é só se inscrever no site: https://alimentandopoliticas.org.br/

Edição: Douglas Matos