O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) lançou hoje “As Cinco Dimensões dos Sistemas Alimentares no Brasil: uma revisão de literatura”. A publicação analisa 113 estudos científicos que se debruçam sobre a atual lógica de produção e consumo de alimentos para mapear como operam os modelos de governança, negócios e de abastecimento e demanda, além de suas implicações para a ecologia e a saúde pública.
A revisão de literatura se apoia sobre essas cinco dimensões dos sistemas alimentares para abordar, de maneira contundente, a relação das pandemias de obesidade e desnutrição com as mudanças climáticas – e como os sistemas alimentares corporativos são causa central dessas crises globais.
“Nosso objetivo é fornecer aos gestores públicos uma rica fonte de embasamentos científicos para criação de uma agenda integrada que promova sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis no Brasil”, explica Janine Coutinho, coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.
As cinco dimensões dos sistemas alimentares no Brasil
A publicação apresenta resumo executivo, metodologia e referencial teórico-conceitual, além dos resultados das análises, estruturados em cinco dimensões: negócios, abastecimento e demanda, ecologia, saúde e governança.
Segundo Potira Preiss, pesquisadora e autora do estudo, cada dimensão apresenta um escopo temático, o contexto dos desafios a serem superados e as recomendações de literatura. “Apesar dos sistemas alimentares serem um tema recente na literatura internacional, o estudo mostra que há uma produção científica brasileira robusta sobre o assunto, que deve ser valorizada e melhor acionada na formação de políticas públicas”, pontua ela.
Também são apresentados 100 marcos político-normativos legais em vigor no país que contribuem para a transição para um sistema alimentar saudável e sustentável, conforme a literatura analisada.
Negócios
Embora o Brasil figure como um dos líderes na produção de alimentos, a lógica agrícola e incentivada por políticas públicas é orientada para a produção de commodities voltadas para a comercialização no mercado internacional por meio de longas cadeias de abastecimento.
É preciso dar maior atenção às necessidades sociais do mercado interno de alimentos, com medidas que acabem com os monopólios no mercado de alimentação e promovam a agricultura familiar, incentivando a diversificação produtiva e o papel do estado como regulador do mercado.
Abastecimento e demanda
A distribuição de alimentos altamente desigual no Brasil é um problema estrutural dos sistemas alimentares. O estudo aponta que apenas uma pequena parcela rica da população tem acesso a alimentos saudáveis, enquanto muitas pessoas não têm recursos para se alimentar de maneira adequada.
Ações constantes para garantir a segurança alimentar de populações mais vulneráveis são necessárias, em especial mulheres chefes-de-família, além da valorização das cadeias curtas com dinâmicas de abastecimento localizadas e feitas pela agricultura familiar.
Ecologia
O sistema alimentar brasileiro está alicerçado na produção de alimentos em larga escala, à base da monocultura e da pecuária extensiva, com uso intensivo de agrotóxicos e aditivos químicos. Essa lógica está diretamente ligada ao desmatamento, alteração do uso do solo, poluição dos recursos naturais e emissões de gases contribuindo para as mudanças climáticas. Desde 1990, estima-se que aproximadamente 80% das emissões brutas de GEE no país sejam vinculadas à agropecuária.
Entre as recomendações, destacam-se a diversificação produtiva, o incentivo à agroecologia, a produção pecuária de baixo impacto, medidas de controle e redução do uso de agrotóxicos, ampliação das áreas de proteção ambiental, cumprimento da Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC) e metas acordados no Acordo de Paris.
Saúde
Os modelos de produção e consumo de alimentos estão adoecendo a população. O uso intensivo de agrotóxicos e a baixa diversidade de alimentos nas lavouras, aliado à oferta de produtos ultraprocessados mais baratos que frutas e legumes, colaboram para a desnutrição e ao mesmo tempo para o aumento do quadro de obesidade das pessoas, criando o fenômeno da dupla má-nutrição.
É preciso garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada e a qualificação dos ambientes alimentares, fornecendo alimentos qualificados em escolas, abrigos, hospitais, entre outros espaços institucionais, e evitando problemas de abastecimento. Para restringir o consumo de alimentos ultraprocessados, é preciso promover ações de controle desta produção, rotulagem adequada e a criação de mecanismos de taxação. O estudo sugere ainda a realização de campanhas de divulgação do Guia Alimentar para a População Brasileira.
Governança
Embora a revisão de literatura permita afirmar que o Brasil possui um marco legal alinhado com Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada, as publicações que analisam o cenário contemporâneo alertam para um grave retrocesso nas políticas de segurança alimentar. Um exemplo claro foi a extinção do Consea, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
As recomendações propõem estruturar mecanismos de descentralização focados em facilitar a capilaridade da segurança alimentar. Financiamentos próprios podem auxiliar estados e municípios a priorizar a transição para sistemas alimentares agroecológicos que integrem as dinâmicas rural e urbana. Recomenda-se também a ampliação das pesquisas que possam avaliar a influência das empresas do setor alimentar no processo de tomada de decisões públicas no país, inclusive considerando o processo de financiamento de campanhas eleitorais.
Acesse aqui a publicação “As Cinco Dimensões dos Sistemas Alimentares no Brasil: uma revisão de literatura”. Disponível também na versão em inglês aqui.
Visite a página de Sistemas Alimentares do site Alimentando Políticas, uma iniciativa do Idec.
Esta revisão de literatura faz parte do projeto “Uma Agenda para Ação – Transição para um Sistema Alimentar Saudável e Sustentável na América Latina”, promovido no Brasil pelo Idec com o objetivo de apoiar a criação de uma agenda de ação para transição de sistemas alimentares no Brasil e na América Latina. O projeto está em curso na América Latina, tendo como parceiros argentinos o Centro de Estudios de Estado y Sociedad (CEDES) e no Chile a Universidad Adolfo Ibáñez (UAI). Os recursos financeiros são aportados pelo International Development Research Centre (IDRC) e Wellcome Trust.
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