Conexão entre alimentação e mudanças climáticas passa quase despercebida na COP26

Idec defendeu na conferência de Glasgow a necessidade de uma transição dos sistemas alimentares para salvar o clima, mas acordos feitos não tocam no tema

22 de novembro de 2021
(ATUALIZADO_EM 9 de março de 2023)

Foto: Divulgação / UNFCCC

Essencial para salvar o clima, a transição para modos mais saudáveis e sustentáveis de produzir e consumir alimentos não foi mencionada nos compromissos firmados pelos líderes mundiais presentes em Glasgow, na Escócia, na Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas, a COP 26.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) marcou presença no fórum global e foi uma das poucas organizações, ao lado de seus parceiros internacionais da sociedade civil, a levantar a bandeira por sistemas alimentares que promovam a saúde das pessoas e do planeta, combatendo, ao mesmo tempo, a fome, a obesidade e as mudanças climáticas.

Organizado pelo Centro de Mudanças Climáticas e Saúde Planetária da Universidade de Londres em parceria com a Rede de Saúde e Clima e a Federação Mundial de Obesidade, o evento “Global Food 2050: Como podemos garantir padrões alimentares que sejam resilientes ao clima, sustentáveis e saudáveis no futuro?” levantou pontos fundamentais sobre a conexão entre produção de alimentos, alimentação saudável e a elevação das temperaturas globais.

Ana Paula Bortoletto, Nutricionista do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, painelista do evento, destacou que os padrões atuais de consumo de alimento “são sustentados por um modelo dominante de sistema alimentar, baseado em monoculturas e pecuária extensiva, com alto uso de agrotóxicos”. Segundo ela, isso faz com que a América Latina seja responsável por 9,5% das emissões globais, aumento da poluição dos recursos naturais e redução da biodiversidade.

Frente a um crescente cenário de desmantelamento das políticas de segurança alimentar e nutricional e ambiental, e de fragilização dos espaços democráticos de participação social no Brasil, Bortoletto alertou: “os mecanismos de governança e transparência devem garantir a não participação e ingerência do setor privado empresarial na formulação das políticas públicas de alimentação, saúde e mudanças climáticas. Queremos conectar e construir pontes entre especialistas em alimentos e nutrição e mudanças climáticas. Não temos tempo a perder com falsas soluções tecnológicas ou práticas de greenwashing [quando uma empresa promove sua marca sob falsa alegação de sustentabilidade]”.

Também painelista do evento, Alan Dangour, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, lembrou que a Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, realizada em setembro desse ano, não voltou sua atenção para as mudanças climáticas. “E agora, a COP26 quase não fala sobre saúde e nem chega a mencionar alimentação. Como o clima impacta a disponibilidade de comida? O que vamos comer em 2050? Com certeza isso deveria estar no centro das discussões”.

Acesse aqui para assistir ao evento na íntegra, a partir dos 4 minutos e 15 segundos.

Um longo caminho a ser percorrido

No sábado, dia 13, mais de 190 nações assinaram um pacote de decisões da COP26, contendo ações e marcos comuns para mitigar as mudanças climáticas. As promessas passam por medidas de desincentivo aos combustíveis fósseis, diminuição do desmatamento, incentivo às tecnologias verdes, financiamento climático e transporte e agropecuária sustentáveis.

No entanto, segundo o Observatório do Clima, coalização de organizações da sociedade civil da qual o Idec faz parte, a COP adiou novamente a salvação do clima. Uma análise detalhada deste pacote de acordos mostra que o evento de duas semanas não conseguiu entregar a ambição necessária para a redução de emissões de gases de efeito estufa de acordo com as metas firmadas no Acordo de Paris de limitar o aquecimento global em 1,5ºC neste século. 

“Ainda pior, a COP26 foi incapaz de conectar a forma de produção de alimentos com impactos negativos na saúde das pessoas e do planeta, e como isso contribui diretamente para o agravamento das mudanças climáticas”, afirma Janine Coutinho, coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec. “Não conseguimos encontrar nas promessas dos líderes mundiais nenhuma abordagem referente a sistemas alimentares, alimentação e seus impactos sanitários e ambientais”.

O Idec continua incidindo para soluções climáticas e sanitárias que se concentram na mudança de Sistemas Alimentares na América Latina. Os esforços para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C devem ser feitos em conjunto com a garantia de benefícios fundamentais para a alimentação das pessoas e para a saúde pública.

Confira aqui uma análise detalhada do pacote de decisões da COP26 feita pelo Observatório do Clima.

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