Os brasileiros estão comendo gordura trans sem saber
Será que ler o rótulo é suficiente para saber o que estamos comendo? Pesquisas provam que não. Atualmente, no Brasil, é possível estampar nas embalagens dos alimentos dizeres como “sem gordura trans”, mesmo que aquele produto tenha ingredientes fontes dessa substância. Essa pesquisa mostra como a indústria está enganando os consumidores e colocando em risco a saúde da população, e como falhas na legislação brasileira estão deixando isso acontecer.
Pesquisadores
Instituições
Publicação
As doenças do coração são a principal causa de morte e de internação hospitalar no Brasil. Em 2015, essas doenças causaram 31,2% do total de óbitos no País. Mesmo que se saiba da relação direta entre a alimentação e o desenvolvimento dessas enfermidades, pouco tem sido feito para regular, e banir, o uso de gordura trans nos alimentos e bebidas. Facilmente encontrada em sorvetes, biscoitos, salgadinhos, massas instantâneas e muitos outros produtos ultraprocessados, seu consumo excessivo está relacionado sobretudo a doenças do coração, diabetes e até câncer. Devido a uma “margem de tolerância” aceita pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a indústria pode anunciar que um alimento não contém gordura trans mesmo que ele a contenha.
O estudo foi publicado antes da nova resolução da agência sobre o tema – que bane o uso de gordura trans a partir de 2023 -, então esse contexto não é considerado na pesquisa.
Metodologia
Quantidade de gordura trans X Informações contidas no rótulo X ingredientes do produto
Entre abril e julho de 2017, foram avaliados alimentos e bebidas disponíveis nas cinco maiores redes de supermercados do Brasil, totalizando 11.434 rótulos de produtos fotografados. O estudo comparou a quantidade de gordura trans anunciada na tabela nutricional e se, entre os ingredientes, existiam produtos que são fonte de gordura trans. Posteriormente, uma amostra aleatória de 3.491 produtos foi analisada para verificar também alegações contidas na embalagem (como por exemplo “livre de gordura trans”).
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11.434
Produtos fotografados
Conclusão
Produtos de padaria, biscoitos, salgadinhos, doces e sobremesas e comidas prontas têm maior proporção de gordura trans especificada
De uma amostra de 11.434 produtos, 81,3% não apresentavam ingredientes fontes de gordura trans na lista de ingredientes, enquanto 14,6% apresentavam termos inespecíficos, como margarina, gordura vegetal e creme vegetal, e 4,1% utilizavam palavras específicas (gordura hidrogenada e óleos) para denominar a substância. Entre os produtos com maior proporção de gorduras trans especificadas estavam produtos de padaria (20,7%), biscoitos (15,1%), salgadinhos (12,6%), doces e sobremesas (8,2%) e comidas prontas (6%). Além disso, aproximadamente, 10% dos produtos referentes aos grupos de biscoitos, produtos de padaria e salgadinhos foram considerados “falso positivos”, ou seja, não apresentavam gordura trans na tabela nutricional, mas continham fontes específicas dessa substância na lista de ingredientes. Mais da metade dos biscoitos e um terço dos produtos de padaria são possíveis falso negativos, isto é, na lista de ingredientes há possíveis fontes de gordura trans, porém declaram não ter a substância na tabela nutricional.
Entre a amostra de produtos selecionados aleatoriamente, 160 alegavam não conter gordura trans em sua embalagem, porém 24,4% destes tinham em sua composição ingredientes que são fontes da gordura. Essa proporção foi ainda maior em bolachas e produtos de padaria, categoria em que quase metade pode apresentar algum ingrediente com gordura trans.
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24,4%
Dos produtos que alegavam não conter gordura trans tinham em sua composição ingredientes com essa substância
Artigo Científico
Materiais de apoio
Leis e projetos para se inspirar
Casos inspiradores
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Banimento do uso de gordura trans no Brasil
Em 2019, a Anvisa aprovou mudanças sobre o uso de gorduras trans industriais no Brasil. A decisão foi a de restringir a quantidade de gordura entre julho de 2021 e janeiro de 2023. A partir da data final, ficam proibidas a produção, a importação, o uso e a oferta de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados para uso em alimentos e alimentos formulados com estes ingredientes. A proibição do uso desde a produção protege o consumidor e todo o sistema alimentar.
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Banimento do uso de gordura trans na Dinamarca em inglês)
Pioneira no banimento do uso de gorduras trans industriais, a Dinamarca tornou-se um modelo para outros governos europeus determinados a proteger a saúde da população. O limite é de 2% em gorduras e óleos destinados ao consumo humano. Essa restrição está nos ingredientes, e não nos produtos finais.
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Banimento total do uso de gordura trans na Argentina (em inglês)
Desde 2006, os produtos alimentícios na argentina devem ser rotulados com a quantidade de gordura trans neles. Em 2010, os óleos e gorduras vegetais vendidos diretamente aos consumidores passaram a conter apenas 2% da gordura trans em relação à gordura total, e outros alimentos menos de 5% de sua gordura total. No final de 2014, a Argentina efetivou uma proibição total de alimentos com gordura trans.
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Banimento do uso de gordura trans na África do Sul (em inglês)
O processo teve início em 2008, mas só foi aprovada em 2011. Fabricantes e varejistas tiveram seis meses para cumprir e reduzir o teor de gordura trans de seus produtos para os 2 gramas necessários por 100.
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